Eu me lembro da primeira vez que eu ouvi a música Ordinary, do Copeland. Eles tinham acabado de lançar o álbum novo. Eu estava no meu quarto, no meio da tarde (saudades da época de escola, quando eu tinha as tardes livres), deitada na cama com os fones de ouvido.
A música chegou no refrão. “Since you came along my days are ordinary…”. Mas sabe quando você se dá conta de que não está escutando de verdade a música e dando muita atenção a ela? Voltei para o começo e parei para prestar atenção na letra.
Today was fine,
I woke up late like I always do,
Made work just in the nick of time,
And thought of you.
And when I returned,
I found you just like I always do,
Waiting for me like you always are
Since you came along my days are ordinary.
We laugh just like yesterday,
And I kiss you like the day before,
And I hold you just like ordinary.
Perhaps when the day is new,
We’ll find tomorrow is just ordinary too.
Hoje foi bom,
Acordei tarde como sempre faço,
Feito trabalho na hora certa,
E pensei em você.
E quando voltei,
Eu te encontrei como sempre faço,
Esperando por mim como você sempre está
Desde que você apareceu, meus dias são ordinários.
Nós rimos como ontem,
E eu te beijo como no dia anterior,
E eu te abraço como normalmente.
Talvez quando o dia for novo,
Descobriremos que amanhã também é comum.
“Nossa, que música triste”, pensei. E foi isso.
Seis anos depois, eu ouvi de novo essa música. Não foi em uma tarde livre e ensolarada. Foi em um contexto totalmente diferente de vida, no meio de um dia estressante e corrido, o que me fez entender a música de uma forma muito mais profunda.
Encontrando a beleza no ordinário
Nós não gostamos da palavra ordinário. No português ela tem uma conotação bem ruim, mas o seu significado propriamente dito não é só esse. Significa “conforme o costume, à ordem comum”. Algo que se repete costumeiramente. São as coisas que a gente faz todo dia e muitas vezes nem percebe.
A questão é: nós não gostamos do que é comum. Estamos sempre esperando pelo extraordinário. Ansiando mais e mais experiências novas, arrebatadoras, emocionantes, que marcam nossa vida para sempre. São momentos incríveis, claro, mas são as exceções, e não a regra.
Annie Dillard já disse: “A forma que vivemos nossos dias é a maneira como vivemos nossa vida”. Nossa vida é a soma dos nossos dias, e isso é óbvio, mas não paramos para pensar nisso. Ou talvez não damos tanta importância, porque estamos nos preocupando mais com os grandes eventos e mudanças da vida achando que estes farão a verdadeira diferença.
Se não olharmos para o nosso dia a dia com mais atenção, acabamos desperdiçando a nossa vida.
A música narra a história de uma pessoa que acordou, trabalhou, pensou na pessoa que ama, voltou para casa e encontrou ela cantarolando como sempre. Algo comum, repetitivo e normal, mas profundo em beleza e significado.
Cada novo dia é uma dádiva. Estamos vivos, respirando, e Deus está nos sustentando. Podemos não ver nada de novo acontecendo, mas sempre estamos em movimento. É como C. S. Lewis disse: é engraçado como no dia a dia nada muda, mas quando você olha para trás tudo está diferente.
Deus está no aqui e agora. Ele é o Emanuel, o Deus presente. Mesmo que nossos dias sejam cheios de desafios, inseguranças, incertezas e traumas, Deus está.
“(…) eu estou vivendo esta vida, a que está bem na minha frente. Esta aqui em que casamentos são difíceis. Esta aqui em que não estamos vivendo como deveríamos ou como gostaríamos. Esta aqui onde estamos cansados, onde queremos fazer a diferença, mas não temos certeza de onde começar, onde precisamos colocar comida na mesa e escovar os dentes das crianças, onde temos dor nas costas e semanas entediantes, onde as nossas vidas parecem pequenas, onde temos dúvidas, onde lutamos com a falta de sentido, onde nos preocupamos com quem amamos, lutamos para encontrar o nosso próximo e amar os mais íntimos, onde ficamos de luto, onde esperamos. E neste dia particular, Jesus me conhece e declara que sou dele.”¹
No ordinário, encontramos contentamento. Deus nos coloca no nosso lugar e nos ensina a depender dEle. Podemos ficar esperando pelo dia de amanhã, pelo final de semana e pelas férias, mas um dia será o nosso último dia, e refletiremos se passamos nossa vida aproveitando os dias comuns e encontrando satisfação neles como presentes de Deus ou não.
Talvez quando o dia for novo, descobriremos que amanhã também é comum. E está tudo bem assim.
¹Liturgia do Ordinário, de Tish H. Warren.